"No les perdono bajo ningún pretexto que no sepan volar"



- No me acuerdo de vos. Tengo tan mala memoria. ¿Quién eras? El marinero de Toronto Star, el de La Habana Maru, el astronauta enamorado de Benedetti, …No me acuerdo.

- Es importante hacerlo. Quiero que me relates tu último optimismo. Yo te ofrezco mi última confianza.

- La esperanza tan dulce, tan pulida, tan triste, la promesa tan leve no me sirve. Aunque sea un trueque mínimo, debemos cotejarnos. No me sirve tan mansa la esperanza, la rabia tan sumisa, tan débil, tan humilde. El furor tan prudente no me sirve. No me sirve tan sabia, tanta rabia.

- Estás sola, estoy solo; por algo somos prójimos. La soledad también puede ser una llama.

- No me quieras, por favor, no me quieras, no me quieras, no me quieras...

* * *

É difícil, até, fazer a transposição de uma linguagem para outra, até em cima do que eu postei aqui uns tempos atrás, sobre livros e filmes - e isso baseado em narrações e contos. Agora, como fazer a transposição de poesia para a tela, sem tornar a coisa muito piegas ou ridícula?

O hermano Eliseo Subiela, além do próprio Mario Benedetti, poeta e ator no filme (o senhor que recita poesia em alemão no bordel), fazem isso de forma sublime no enlatado argentino O Lado Escuro do Coração, de 1992, até mesmo com um quê de fantástico ou surreal. E o filme é de uma delicadeza dura, rude, que emociona, além dos diálogos embebidos de poesia, nas palavras de, bem, um poeta, como é o personagem Oliverio, que faz da poesia sua cantada, seu ganha bife, seu canto de dor. E a cena acima, que infelizmente eu não tenho em português, é fantástica, só tão boa quanto a cena de Ana com a filha passando pelo detector de metais enquanto Oliverio conversa com a morte, no bar, e descobre que a vida pode ser dura, mas ensina os caminhos certos.

O filme, é claro, vale também pelo conteúdo das conversas, e mesmo pelo enredo, relativamente simples - se você não achar nada de mais um cara se apaixonar por uma prostituta e as consequências disso. Teve um quê de tantos outros filmes de conversas e mais conversas sobre o que é o amor, sobre o que é apaixonar-se pela pessoa certa, pela pessoa errada, e mesmo sobre o que é e como apaixonar-se (a ótima conversa com a ex-mulher). Tudo numa linguagem ótima, e ainda assim concisa, bem colocada, por vezes acertadamente exagerada. Boa "surpresa" dos hermanos, mas uma vez, que tantos filmes bons fazem. E a gente aqui cheio de preconceitos bestas fomentados pela "imprensa marrom" do futebol, que parece não perceber o estrago que causa em outras áreas.

Muito bom, muito bom mesmo. E eu devo essa preciosidade à Clau, que tanto me falou do filme. Muchas gracias, cariño! :)

E agora, antes de dormir, vou bater um papo com Cecília, Carlos, Vinícius e Manoel.

* * *
Tá, ok, essa cena aqui é legendada, abre o filme e... bem, resume muito bem o que algumas pessoas pensamos.

"Me importa un pito que las mujeres tengan los senos como magnolias o como pasas de higo; un cutis de durazno o de papel de lija. Le doy una importancia igual a cero al hecho de que amanezcan con un aliento afrodisíaco o insecticida. Soy perfectamente capaz de soportarles una nariz que sacaría el primer premio en una exposición de zanahorias. Pero eso sí, y en esto soy irreductible, no les perdono bajo ningún pretexto que no sepan volar, si no saben volar pierden el tiempo conmigo". (Oliverio)