"Estás listo para irte?"

Que ninguém duvide que Javier Bardem é um puta, mas um PUTA ator bom. Mar Adentro (2004) e Onde Os Fracos Não Têm Vez (2007) são duas ótimas provas, com um Vicky Christina Barcelona (2008) com tantas distrações que ele acaba não chamando tanta atenção.

Mas com esse belíssimo e tocante Biutiful (2010), o novo filme de Alejandro González Iñárritu, ele esfrega o chão com os competidores ao Oscar e a qualquer outro prêmio esse ano, Colin Firth e seu gaguejar que me desculpem - até porque foi a primeira indicação de Melhor Ator a alguém que não fala inglês num filme (sem esquecer nossa Fernanda Montenegro em 1998, por Central do Brasil). Assistir à desconstrução de um homem pode ser trágico, deixar mal - especialmente quem tem problemas com família e pai -, mas ele consegue fazer com que tudo que se sente seja... comoção. Não dó, nem pena. Mas comoção, por ver um pai tão dedicado, metido em tanta coisa errada, por um objetivo bom. Um homem que, mesmo com todos os motivos para chutar o balde e, por exemplo, nunca mais olhar pra cara da ex-mulher, o faz, e com toda a dignidade e doçura possíveis. Um homem que consegue se colocar de lado, e ajudar a tudo e a todos, numa condição que lhe dá todo o direito de ser egoísta.

O que se vê é que ele tem uma chance que poucas pessoas têm: de se preparar para partir, sem ter todo o dinheiro que o Jack Nicholson teve. Sem aventuras mirabolantes, que visam tão somente ao bel prazer de quem as faz; muito pelo contrário. Até o último minuto, ele tenta deixar as coisas certas, pra quem puder, ainda que, como qualquer ser humano, faça das suas cagadas, e termine atormentado por uma delas, bem grande e séria, exteriorizada num choro sofrido, honesto, que contagia. Difícil não chorar com ele, ou mesmo por ele, quando observa sua filha com uma cara de quem está, finalmente, em paz, e passa a uma alegria quase infantil, numa das cenas entre pai e filho mais simples e, ao mesmo tempo, significativas.

Quer dizer, esse é o tipo de filme que pode parecer um baita dramalhão, mas não é. Ele simplesmente toca, e ainda assim consegue ter cenas que fazem rir, e outras que dão certo medo - eu nunca lidei bem com pessoas no teto, ou espíritos. E faz você sair do cinema com vontade de abraçar seu pai, mesmo que ele não seja o Bardem, ou pelo menos dar aquela olhadinha pra cima e pensar "Que bom que escrevi aquela carta", porque fica parecendo que, no fim das contas, ela seria tão importante quanto o anel de casada que sua mãe deixa para seus filhos.

"What's wrong with this picture?"

Sabe quando a gente fala sobre tiozão querendo ser moleque de novo, malhando feito um louco e andando com outro tiozão com correntes de prata pra fora da camisa, ou mulher com uns 50 e tantos anos vestindo-se como se ainda tivesse 20 e, pior, indo pra balada com as filhas?

Ver Os Mercenários (2010), o "grande" projeto de Sylvester Stallone (escrito, dirigido e estrelado por ele) ao lado de uma penca de fortões e Jet Li, alguns com mais de 40 ou até 50 anos, é mais ou menos assim - só que consegue ser pior. Acho que qualquer moleque, pelo menos que hoje está na casa de 25-35 anos, sonhou em ver o elenco do filme junto, dando sopapos uns nos outros, dando tiros em tudo que se mexe e explodindo até carrinho de pipoca. O bom de Jet Li (ainda que ele tenha 48 anos, pasme) e Jason Statham é que eles dão um sangue novo ao filme, e Mickey Rourke tem o bom senso de ficar de fora da pancadaria toda, mas o elenco é essencialmente quem todos nós, garotos, gostaríamos de ver num filme, faltando só Jean-Claude Van Damme (hoje com 51 anos) e uma participação muito mais expressiva do ex-governador Arnold Schwarzenegger, ao melhor estilo Comando Para Matar (1985) ou até True Lies (1994), apesar de que a coisa de uma equipe de mercenários cai melhor ao bom e velho Dutch, do fantástico O Predador (1987). Dolph Lundgren é quase uma piada pessoal para mim, mas eu confesso que gosto dele, em toda sua "tosquitude".

Mas ver esses tios todos, bombados, andando de motos, brincando de quem-é-melhor-em-jogar-a-faca, reunindo-se sempre num estúdio de tatuagem com motos, andando em carros que fazem o maior barulhão... putz, é péssimo. Aparece uma "gostosona" lá uma vez, mas fora isso, só um bando de machos, brincando de ser machos. E Stallone com uma baita cara de... tiozão com botox e maquiagem, que faz a sobrancelha, tirando ainda mais toda sua complexidade artística. Fica até difícil de acreditar que ele escreveu Rocky, um Lutador (1976), e que foi indicado ao Oscar por isso, além de por Melhor Ator. Fica parecendo um daqueles caras que se recusa a aceitar a idade, ou pelo menos aceitar com mais dignidade, como Robert Redford o fez. São dois tipos completamente diferentes, I know, mas mesmo assim, o próprio Schwarzenegger é bem mais versátil, nem que seja fazendo comédias toscas que dependem muito da sua falta de jeito para serem legais.

Pior de tudo: as cenas de ação são ruins! O enredo, claro, não faz muita diferença, e as tentativas de algum diálogo mais profundo são patéticas (no melhor estilo de "comover pela dor", porque é dar dó mesmo, de tão ruins). A papagaiada do General Garza, a super interpretação de Giselle Itié, o ex-agente da CIA do mal, até dá pra entender (quer dizer, alguém tinha que explicar exatamente por que a CIA ia querer um dos seus mortos, porque fica parecendo que é porque a droga é deles). Mas mesmo o gran finale parece que se passa num campo de paintball - e dos ruins -, o sangue é mal feito, sujeito perde a cabeça numa facada e logo em seguida aparece no chão com cabeça e tudo, sem sangue, uma arma .12 que faz paredes explodirem... é demais. Até mesmo o carinho paternal/fraternal/pedófilo de Barney Ross (Sly) pela bela, indefesa e com um fator de cura melhor que do Wolverine mocinha Sandra (Itié) é ridículo - só não foi pior por não ter beijo no final, depois da pérola de estar sempre por perto que eu prefiro nem lembrar.

Sério, eu gosto de filmes de ação, mas esse foi demais. Gosto de coisas absurdas, mas bem feitas, e que sabem seu lugar, sem tentativas de profundidade numa história que começa na Bósnia e termina com uma mulher que se joga de uma ponte e coisas sobre salvar a alma. Cabeças podem e devem rolar, paredes serem arrebentadas, um monte de soldados-mosca morrem, tudo vai pelos ares, mas com dignidade, e sem tiozões de botox e com sobrancelhas feitas. Sem a sensação de "tem algo errado aqui", que a arte imitou a vida no pior aspecto possível, ou pelo menos em um dos mais ridículos.

Só falta agora a seqüência sair mesmo (e a tendência de Hollywood é que isso aconteça mesmo), e acrescentarem Steven Seagal ao grande elenco. Vai ser uma bomba, de ruim e de loja de suplementos.

"I didn't know that, tell me more."

Acredito que muita gente, como eu, não entendeu o hype que se criou em torno de A Rede Social (2010), o filme que leva às levas o livro de Ben Mezrich sobre a criação do Facebook. Afinal de contas, foram 3 Oscar e mais 5 indicações em branco, sem contar os Globos de Ouro e dois prêmios da BAFTA (um equivalente inglês ao americaníssimo Oscar). Que o roteiro é incrivelmente bem adaptado, só lendo o livro pra saber, mas prestando atenção a certos detalhes.

O grande lance do filme é, além do roteiro e as atuações pra lá de convincentes (quem lê o livro apenas fica achando que Mark Zuckerberg é um cara meio retardado e mudo, mas Jesse Eisenberg mostra que não), a edição dele. É apenas mais um daqueles prêmios técnicos pra que ninguém presta real atenção enquanto assiste à entrega dos prêmios, aproveita pra ir fazer xixi ou pegar chocolate, mas é fundamental. Por quê? Simples: você não percebe certas coisas.

O livro é recheado de informações sobre pessoas, especialmente. Tem, claro, toda a parte de programação, e eu fui passando batido, e mesmo no filme fiz cara de "Ah, claro, é isso" quando eles falam sobre aspectos técnicos de programação. Só que conta muita coisa sobre Sean Parker (o cada vez melhor Justin Timberlake - nas telas), por exemplo, ou sobre como as coisas desenrolaram com todos os personagens... daí, você pega um cara que mandou bem no roteiro, e uma edição MUITO bem feita, e... de repente, todas as informações, TODAS mesmo, estão no filme, e em nenhum momento você pára e fica com aquela sensação de "De onde saiu essa informação?", tão incômoda em alguns filmes. Palmas para Aaron Sorkin (roteiro) e Kirk Baxter e Angus Wall (edição), que nunca vi mais gordos, mas que mandaram muito bem!

Pena, na real, que nem tudo é assim, e não dá pra pedir pra eles fazerem isso com a nossa vida. É triste, não?, quando as coisas que devem ser naturais entre pessoas não são assim porque toda hora é preciso parar, e explicar as coisas, mostrar informações, mastigar, explicar. E daí, bye bye "fluência", leveza. As coisas deixam de fluir naturalmente, e parece que somos lembrados do problema em si, em vez de prestar mais atenção ao contexto maior, ao filme em si. É mais ou menos como contar uma piada, tendo que parar pra explicar tudo. Perde a graça, quando chega no final, já era.

O curioso foi que percebi recentemente, qual era o grande mérito do filme: essa leveza com a quantidade de explicações e informações nele. E me lembrei na hora de quando a Isabelle reclamava do meu contar histórias, repleto de pausas por detalhes e divagações. Elas são legais, mas têm que ser curtas, porque no fim das contas, se perde o interesse, e fica cansativo ficar parando toda hora. E foi vendo a história de Mark e Eduardo Saverin que eu me toquei disso, só que com a experiência que eu não via estar vivendo, e sem meu bilhão de dólares.