"Je ne veux rien."


O polonês Krzysztof Kieslowski tem três filmes conhecidos como "A Triologia das Cores", e parece ser consenso que A Fraternidade é Vermelha (1994) é o melhor dos três, sendo, inclusive, aquele que fecha os filmes, que podem/devem ser vistos na ordem das cores da bandeira francesa. São todos filmes interessantíssimos, que discutiam questões pertinentes à União Européia já nos anos 90, e que hoje continuam igualmente pertinentes, talvez até mais... obrigado, crise!

Mas não dá pra sequer comparar com "triologias" mais novinhas, como Crepúsculo, e nem com aquelas que são tão legais, como De Volta Para o Futuro ou mesmo O Senhor dos Anéis, porque os conteúdos não têm absolutamente nada a ver. E, sinceramente, nem vale a pena, mas o ponto é outro. Dá pra conciliar as duas coisas? Quer dizer, dá pra assistir aos filmes do Kieslowski, por exemplo, ou mesmo do Bergman, Fellini, Kubrick, ou sei lá mais qual diretor "cult" e, no dia seguinte, sentar no sofá e ver algo tão ruim e tosco, simplesmente por pura diversão?
 
É forçar a barra, mas, por exemplo, o tosquíssimo Battleship (2012), que supostamente deveria evocar a emoçao de jogar Batalha Naval, mas mais parece Transformers (2007) na água, até visualmente (o que não é nenhuma surpresa, considerando que são os mesmos produtores). É muito, mas muito ruim, de verdade, tanto que não dá pra entender por que diabos Liam Neeson está lá, além de dinheiro. Mas, assim, à sua maneira, consegue entreter por coisa de uns 60 minutos, mesmo porque não tem como assistir a tudo, é preciso pular umas partes, como os diálogos inúteis do filme, ou qualquer outro momento (até mesmo irritante, por sinal) que não seja navios atirando em navios, o que é realmente legal, até porque tudo que se tem no cinema nesse sentido são piratas pulando de um barco pro outro, e canhões disparando bolas de ferro.
 
São dois opostos: um filme BOM, que leva à reflexão, força a massa cinzenta, gera reações mais intensas e não superficiais, e deixa sua marca; do outro lado, um filme feito para DIVERSÃO. E qual o problema em curtir ambos? Talvez seja praticamente ser eclético para filmes, conseguir assisitir a duas coisas tão antagônicas, ainda que exista uma clara preferência por algum "tipo" - caso seja Battleship, é preciso procurar ajuda. Sério.
 
É mais ou menos como ser extremista, deixar de ver um filme de Hollywood porque ele é de Hollywood, sem nem querer saber se é bom ou ruim, e ficar o tempo todo vendo esses filmes-cabeça, muitos dos quais, convenhamos, são como ouvir Pink Floyd ou Radiohead: não dá pra fazer isso toda e qualquer hora. É preciso um certo mood. Ninguém chega em casa, podre de cansado, querendo esvaziar a cabeça, e coloca Persona (1966) só para aliviar. Claro, dá pra ser alguma comédia boa de Jim Abrahams e David Zucker, como o sensacional Apertem os cintos... O piloto sumiu! (1980), mas ainda assim, são filmes feitos essencialmente para divertir, como também bons filmes de ação ou aventura, um suspense e até terror.

Woody Allen, genial, é um dos diretores mais versáteis, nesse sentido. Seu senso de humor é refinadíssimo, e mesmo seus filmes mais românticos, como Meia-Noite em Paris (2011), são ao mesmo tempo leves e mais profundos, com cenas e personagens memoráveis, que se tornam referências.
 
Agora, voltando ao ponto, não tem problema nenhum em querer ver o bom e velho Arnold Schwarzenegger no que ele faz de melhor, e não tem que ser com culpa. Ter tais "pecados", ou mesmo querer sair da rotina "cult" e ver alguma porcaria no cinema, não é problema nenhum, desde que conscientemente. Nem 8, ou nada de cérebro, nem 80, só coisa cabeça, mesmo porque ser tosco de vez em quando também é saudável, mesmo que fique aquela sensação de que duas horas da vida foram desperdiçadas. Meio que tão boa quanto uma bela ressaca.

"Gerry, you are a morality-free zone."


James: Cheer up. Remember what the Monty Python boys say. 
Helen: "Always look on the bright side of life"? 
James: No, "Nobody expects the Spanish Inquisition."

* * *

Parece que a enrolação por tantos anos tinha um motivo, after all. Foram só 3 anos.

"Based on a True Story"

Não sei se é uma falsa impressão, mas cada vez mais se faz e se atrai espectadores ao cinema com os tais filmes baseados em fatos reais. No cinema, agorinha mesmo, dá pra ver Intocáveis (2011), Gonzaga: de pai pra filho (2012) e o ótimo Argo (2012), do nem sempre tão ótimo Ben Affleck, que se achou atrás das câmeras como um diretor dos mais competentes. Isso só a título de exemplo, e pensando nos últimos 10 anos, give or take.

Sem entregar o final do filme, é uma história sobre o plano de extração de 6 funcionários diplomáticos do Irã após a revolução islâmica de 1979, já que esses seis conseguiram fugir da embaixada e se refugiaram na casa do embaixador do Canadá, eh? Não é preciso ser um gênio para saber que alguma coisa deve ter dado certo, de um jeito ou de outro, ou então o filme dificilmente seria produzido. Do mesmo jeito como ninguém quer ver gente feia e pobreza de verdade na TV, duvido que a plateia do cinema vai lá querendo ver planos arriscados e ousados para salvar pessoas dando errado e gente sendo executada. Seria mais ou menos como fazer algo como À Procura da Felicidade (2006), com o Chris não conseguindo o emprego no fim e o filho sendo levado para algum abrigo pelos social services.

Mas isso tudo parte de um pressuposto: saber que os filmes foram feitos com base em fatos reais. Sobre Argo, um questionamento muitíssimo pertinente: será que se fosse pura ficção, as pessoas estariam dispostas a "engolir" que aquilo tudo foi feito mesmo, daquela forma? Pontos mil para Ben Affleck e a produção, com o cuidado técnico e histórico, com as rezas nos momentos certos, mas e o cerne da coisa? Será que se Tony Mendez fosse simplesmente alguém da cabeça do roteirista, o filme faria tamanho sucesso, ou as críticas seriam no sentido de um filme "fantasioso demais"? Se alguém consegue imaginar, deve ser no mínimo porque seria passível de ser feito, right?
 
Outro filme nesse sentido, menos de história de superação, e mais de verdade nua e crua sobre vingança mesmo é o ótimo Munique (2005), que no Brasil parece ter passado um tanto despercebido, ainda que seja um dos melhores filmes de Steven Spielberg. Claro, numa pura ficção, e nas mãos de um Michael Bay da vida, teríamos um filme de perseguições espetaculares, e não de uma coisa mais pé no chão, onde as coisas dão errado, gente inocente morre, o mocinho questiona suas ordens e motivos, sem um discurso ou catchy phrase, e o final não é necessariamente um happy ending.

Por que é que, só então, tanta gente aceita que o cinema seja assim? Mar Adentro (2004) traz uma história pesadíssima, mas verdadeira, de Ramon Sampedro, pescador espanhol que, aos 25 anos de idade, tornou-se tetraplégico e passou a brigar na justiça pelo direito de morrer - e, para quem não sabe ainda, ele morreu em janeiro de 1998, por envenenamento, auxiliado por uma amiga. Trágico e belo, isso sim, mas real. Ah, mas e se fosse uma história fictícia? Ia ser tão difícil de aceitar, ou mesmo dar razão a Sampedro? Claro, qualquer um com um caso similar em família daria razão, mas... opa! Tem um caso em casa, a história passa a ser real. Se não, corre-se até o risco de se passar indiferente a uma história assim.

Mesma coisa pra filmes de terror: A Bruxa de Blair (1999) causou alvoroço, mas não apenas pela qualidade da história, mas sim porque poderia ter sido verdade. Real, não arte. Veio Atividade Paranormal (2007), e foi a mesma ladainha, sendo que muita gente se mostrava decepcionada quando descobria que a casa usada era a do diretor do filme, até. Prefeririam que fantasmas e possessões demoníacas numa casa fossem realidade?

Se a arte imita a vida, por que é que cada vez mais precisamos desse lastro de veracidade, que supostamente dá a credibilidade necessária ao filme? Por que a ficção tem que ser só filme de assalto, de robôs ou coisas assim, ou sobre histórias que sempre acabam bem, de uma forma ou de outra? Sobre planos que, de tão geniais, nem parecem reais, sem nem chegar aos absurdos (tão legais!) da série Missão: Impossível?

Ainda há pouco tempo escrevi sobre Sete Vidas, até sobre como é difícil imaginar alguém tão bom quanto o Ben do filme na vida real, sem ser movido por remorso ou culpa ou algo maior e egoísta até, mas me pergunto se isso mudaria caso o filme fosse "baseado em fatos reais".

"[...] c’est la seule trace de notre passage sur terre."

Mais um daqueles textos de e-mail, com um tanto de spoilers. Já avisei.

* * *

Então, agora eu li o texto pra valer. Aquela vez eu te mandei mas nem li e nem tinha lido seu e-mail, porque vi que ia ser meio spoiler.

Acho que a questão é que Batman é um blockbuster, e todo mundo sabe disso. Filme de puro entretenimento, e daí não existem discussões mais sérias sobre ele. Ninguém vai falar, por exemplo, que o Batman simboliza blá blá blá, mas não só ele, como qualquer outro enlatado norte-americano. Ted, por exemplo, no máximo é um retrato de adultos infantilizados, com uma veia cômica saltadíssima e muito engraçado. Esse Intocáveis é um filme sério, e daí as pessoas passam a vê-lo sob outro prisma, como se fosse errado encarar numa boa e prestar atenção, por exemplo, à trilha sonora. Não, você tem que ver o panorama geral da Europa, ver as metáforas e afins. É sério.

O negócio é que Intocáveis é um filme sério, e concordo desde já com o que o cara diz sobre o filme de uma pessoa com deficiência, do "amizade forjada a partir de hostilidade inicial" e afins. O problema é que muita gente se esquece de tantos outros filmes assim, e parece que esse é O filme sobre isso, quando, por exemplo, se tem um O Escafandro e a Borboleta, que é muito mais interessante. Mas é bacana, mesmo, como a parte da deficiência do Philippe nem é abordada, é até meio "esquecida", salvo em situações cômicas (quando o Driss passa o telefone pra ele, por exemplo) ou pela "tensão" do encontro com a moça das cartas, a Eleanore ("E agora? Como ele vai explicar que nunca falou disso e mandou a foto em pé? Oh!"), sendo que isso é simplesmente... pulado pelo filme. Tipo, ela aceitou de boa que em 6 meses ele não tenha contado pra ela, simples assim? Mas esse tipo de atitude é louvável, ponto para o filme, e trabalhar na Disney faz isso com as pessoas, até, porque lá os próprios guests não são lembrados da condição deles, quando numa cadeira de rodas, por exemplo.

Não é que eu não tenha gostado do filme, e nem fiquei com isso de "linha narrativa" na cabeça, mas o fato é que esseS filmeS, de modo geral, são realmente feitos e encaixados pra sair tudo tão redondinho que beira ao absurdo. Você tinha alguma dúvida que o Driss ia se mostrar tão necessário que nenhum outro cuidador ia dar certo, e ele ia voltar, depois de milagrosamente botar o irmão na linha? Aliás, ele convenceu os bad guys da Mercedes preta só com um papo?

Gostei muito mais dos aspectos sobre arte do filme (o embate das músicas no aniversário do Philippe é ótimo, e aquilo ali é Adorno e massificação de arte puro, ele ia ficar de cabelo em pé!), e mesmo sobre a metáfora do imigrante x europeu, fato. É o tipo de filme que deveria fazer com que o monsieur saísse do cinema e refletisse sobre a condição do país, até do continente, sem ser pesado - e isso ele consegue fazer magistralmente -, mas o duro é que fica tanto foco na amizade bonita dos dois que as pessoas nem pensam nisso, e ainda xingam o primeiro mendigo negro pela frente com alguma referência ao imigrante. Meio que como aqui seria um cara em São Paulo ver um filme sobre nordestinos, ficar emocionado e torcer pelo cuidador de Pernambuco, e soltar um "esse baiano" depois, sabe?

Enfim, não sei se te decepciono com isso, e esse e-mail é talvez o post que eu escreveria, mas... eu gostei do filme, de verdade. Não tanto quanto Biutiful, nem de longe, até porque são dois filmes completamente diferentes. Aqui, é construção, edificação, crescimento. Biutiful é o oposto, desconstrução total de alguém, da forma mais trágica possível, que tem um final muito bonito, mas na morte. Não tem "e agora vive feliz com sua esposa", mas isso é normal. Um filme a ser comparado com ele seria justamente o Sete Vidas, talvez.

Quer me matar? Quer chocolate?

"Chegar antes foi tudo o que pude fazer."

“Andar por terras que ninguém andou, chegar em lugares em que o branco nunca chegou, porque não há nenhum lugar que o branco não chegue, chegar antes foi tudo o que pude fazer”. Assim narra Claudio Villas-Bôas, quando resolve tirar os sapatos e abandonar a vida medíocre de um burguês paulista para vestir um par de sandálias velhas, se fantasiar de caboclo goiano e viver a mais real das histórias de aventuras, em plena selva amazônica.

Essa é a premissa de Xingu (2012), o último filme do sempre competente Cao Hamburguer, que falou com todas as letras que o nome do filme pode ter sido um erro, já que... bem, que faz muita gente pensar que é um filme de índio, e por isso mesmo seria chato, ou bobo, ou coisas do tipo. Típico preconceito brasileiro, porque quando sai algo do tipo Dança Com Lobos (1990), aí é bonito, é bom, porque é gringo.

E é um filmaço, que faz um interessantíssimo diálogo entre a ficção e a realidade vivido por atores e personagens, até porque foi baseado no livro A Marcha Para o Oeste, dos autores e personagens da história, os irmãos Orlando e Cláudio Villas-Bôas. Personagens estes que se aproximam bastante do que o Brasil tem de menos, que são heróis; gente que, na vida real, e sem a truculência de um Capitão Nascimento, conseguiu fazer algo de concreto pelo nosso país, mas de quem sabemos menos do que, por exemplo, heróis revolucionários europeus, ou mesmo assassinos seriais norte-americanos. Nossa boa e velha síndrome de vira-latas, que no máximo vê em Tiradentes um mártir, mas não um herói.

Xingu conta a história de três irmãos, dois mundos e uma missão. A narrativa dos irmãos Villas-Bôas apresenta a saga dos responsáveis pela criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961, uma área de mais de 27 mil quilômetros quadrados, inteiramente preservada e constantemente ameaçada. Um luta pela esperança de preservar uma cultura milenar e o direito de existir dentro de suas raízes. Uma façanha impensável que conseguiu burlar os interesses progressistas durante o efêmero governo Jânio Quadros. Se hoje, depois de décadas de democracia, ativistas ainda perdem a vida em nome da luta pela preservação dos índios, é possível imaginar a sagaz persistência que os irmãos tiveram de ter para conseguir de fato criar um Parque Indígena, que existe há mais de 50 anos e mudou o panorama de estudos antropológicos no Brasil.

E, ainda assim, quase ninguém conhece essa história. Como a gente mal conhece a história do Brasil, enquanto manja tanto da grama do vizinho. Cao Hamburguer disse que esse filme tem como "princípio", por assim dizer, ser um ponto de partida, até serve também pra mostrar para muita gente que cinema nacional não é só favela movie, comédia sofrível ou produções globais, mas que tem competência pra fazer um verdadeiro épico com material totalmente nacional.

"This is all a tightrope, you gotta learn to balance."

A profissão de advogado, lato sensu, é uma meio ingrata. Iniciativa privada ou poder público, tanto faz. Todos os dias nos deparamos com aquele momento em que você para, pensa e pondera. Mas, no fim das contas, e de modo geral, claro, sempre tem alguma coisa que vai pesar mais, nem que seja a esmagadora pressão sobre você pra mandar soltar um filho de deputado federal ou o risco do cliente levar sua carteira de casos para outro escritório porque o trabalho não foi feito como deveria - e não importa o quão impossível isso seja. Ou até mesmo errado.

E tem o júri, mas como nesse caso o cidadão é colocado lá sem nenhum lado voluntário, não vou nem entrar no mérito. Fora que tem gente que acha que deve ser legal, até estar lá e ficar horas a fio pra decidir se manda alguém pra cadeia ou não.

É preciso dizer, claro, que a profissão tem um lado absurdamente gratificante, seja por ver que a Justiça foi servida, numa condenação ou numa absolvição, ou também por conseguir ajudar pessoas com boas ideias colocando tudo em prática, fazendo até com que a engrenagem não pare. Sim, dá pra ser advogado e ser uma pessoa boa, é bem fácil.

Mas... quando você trabalha para o poder público, não tem o cliente. Mas tem um risco bastante peculiar: a indiferença. Pessoas tornam-se nomes em papel, e você não sabe se aquele sujeito contra quem você oferece uma denúncia, com a faca nos dentes e a cabeça no índice de condenações, é realmente tudo aquilo, ou como vai ficar a família do sujeito. Claro, quem faz merda tem que pagar por isso, não há dúvidas, mas às vezes... e não precisamos imaginar casos à John Grisham para isso, como Tempo de Matar, em que a simpatia pelo réu é mais do justificada, diante de um caso de estupro tão nojento, e o final não poderia ser outro.

E os "furos" no sistema, com que os advogados privados têm que aprender a trabalhar tão bem, e os advogados públicos, por assim dizer, têm que aprender a contornar, ou adaptar?

Nesse sentido, há filmes que mostram lados interessantes da mesma moeda, e que deveriam ser vistos por quem pensa em fazer Direito. Segue um "Top 5" bastante recente para isso, sem qualquer tipo de ordem motivada.

1. Conduta de Risco (Michael Clayton, 2007) 
Filme do advogado "fixer", que precisa fazer malabarismos para contornar situações, defender interesses, manipular a verdade. É um show de George Clooney, e chega a extremos, mas até aí, os extremos sempre mostram porções ideais ou indesejáveis da realidade. Um filmaço, de verdade, mas muito complicado. Questões de consciência e de ética no talo.

2. Fora de Controle (Changing Lanes, 20022)
Ben Affleck é canastrão, mas aqui o papel cai como uma luva para ele. E Samuel L. Jackson consegue controlar seus motherfucker moments da vida pra mostrar um cara tão desesperado que é comedido. O filme um lado "humanístico", de mudança de vida, mas isso só porque o advogado, coitado, se dá conta da podridão do meio em que trabalha, e a chave para a mudança cai, literalmente, em sua mesa, diante de si.

3. O Poder e a Lei (The Lincoln Lawyer, 2011)
Ok, então todo mundo tem direito ao acesso à Justiça, a um julgamento justo e afins? E quando seu cliente é um estuprador confesso, e você sabe que há buracos no "devido processo legal" que darão aquela forcinha para ele continuar por aí, free as a bird? Advogados de traficantes e de certos políticos também poderiam fazer um filme assim, seria até mais interessante para nossa perspectiva tupiniquim.

4. Código de Conduta (Law Abiding Citizen, 2009)
A situação é tão cruel, tão perturbadora que não dá pra assistir ao filme sem torcer pelo "vilão" do filme, para que tudo vá pelos ares. O problema é que é um filme de ação, e o foco vai do processo legal em si para as cenas de ação e de bombas e de torturas que ele se perde um tanto, sobre o trabalho do promotor e da juíza que são obrigados a fazer acordos e liberar criminosos a ponto de embrulhar o estômago. Isso também acontece com "colarinho branco", e não é menos pior.

5. O Crime do Século (The Crime of the Century, 1996)
Um daqueles filmes pra quem acha que bandido bom é bandido morto verem, porque mostra bem como um promotor de justiça passa de uma conduta investigativa à preparação de uma armadilha para jogar a culpa em alguém, de qualquer maneira. A pressão pública e dos "poderes" é sempre grande, e pode levar a erros monumentais, ainda mais num país que aceita a pena de morte - mas também pode acontecer em casos como a notória Ação Penal nº 470, o Mensalão.

"Because I get the feeling that you really deserve it."

Tem gente que não gosta do Will Smith. E tem gente que, acertadamente, acha que À Procura da Felicidade (2006) é um filme bonito, comovente por ser uma história real, mas que... bem, deu no saco, um pouco.

O curioso foi que a parceria Smith / Muccino foi repetida num filme, Sete Vidas (2008), que acabou passando até um pouco despercebido. Boa parte da crítica malhou o filme, diante de certas inconsistências de linearidade e umas partes meio absurdas no roteiro (jellyfish, sério?), ou mesmo por conta do over drama que o filme é - com certeza foi feito pensando em pessoas com caixinhas de lenço ao lado, ou pelo menos algo assim.

Mas, sinceramente, o que impressiona no filme é o Ben de Will Smith. Ele manda muito bem, apesar de certas "acusações" de que ele estaria exagerando, e em alguns pontos talvez esteja mesmo (lenços), mas não dá pra imaginar alguém em busca de tamanha redenção e disposto a tamanho sacrifício que não tenha conflitos internos. Isso é o que fica estampado na cara dele o filme todo.

Agora, é de se perguntar: até que ponto as pessoas estão dispostas a irem em nome da pura e simples generosidade? Sem remorso, sem culpa, sem pretensões maiores. Bondade por bondade, sequer pensando num possível desfecho favorável lá no other side, às portas de São Pedro ou entidade religiosa o que o valha. E sempre pensando em bondade em formas de ação, não de dó ou revolta pacíficas, em frente à TV, quando as notícias deveriam ao menos ter esse efeito.

Parece que é tão irreal que só mesmo com um peso do mundo nas costas, e é nisso que esse filme acerta, e consegue o resultado "caixinha de lenço", ao menos com boa parte da audiência. Fica difícil ficar reparando em erros e em outras coisas, mesmo furos, porque o ponto é que se cada um tivesse um "cadim" de Ben, as coisas já seriam bem melhores.

"Happiness only real when shared."

É difícil de imaginar, mas Na Natureza Selvagem (2007) é um filme que não atinge a todos. Isso porque é um filme surpreendente, uma verdadeira odisséia assombrosa, um tipo de... oração em longa metragem.

Essencialmente, o enredo é de um jovem que, em 1990, então com 20 anos, termina uma faculdade de prestígio, vende tudo que tem, doa ou queima seu dinheiro e abandona seu carro e a família, e parte para o Alaska, em busca da verdade no caminho, inspirado por Jack London, Henry David Thoreau, Holden Caulfield e Jack Kerouac. 

Pode parecer, e é mesmo, um road movie, daqueles que mostram como uma personagem vai descobrir a vida enquanto faz uma viagem, mas aqui é muito mais um filme sobre contato, sobre conexões entre pessoas. Entre um cara que deixa pra trás pais forjados por um ideal materialista e uma irmã que dependia dele... e, sinceramente, difícil não imaginar que sua decisão foi um tanto quanto egoísta. Mas dizer "estou só" (ou algo assim, de "I'm lonely") já no final mostra que nenhum ser humano consegue abrir mão de todas as suas conexões, como ele tenta provar.

Seus pais, o casal de hippies, o fazendeiro, as pessoas que moram em trailers e o comovente encontro com o senhorzinho de quase 80 anos, que pede para adotar Chris (muito prazer). Todos eles, de certa forma, têm suas vidas mudadas pelo encontro com o jovem, mas inegável que mesmo ele tem sua vida alterada, e profundamente, em virtude de um contato com uma pessoa que desesperadoramente tenta fugir da própria vida em busca de algo melhor, mais verdadeiro, ainda que com tantas falhas que lhe custam caro demais.

E é curioso como ele parece simplesmente não se importar com raízes, no sentido de pessoas. Afinal de contas, como explicar esse senhorzinho? É de partir o coração e, mais uma vez, vem aquela sensação de egoísmo. My, myself and I, e ao mesmo tempo, Chris consegue ser incrivelmente inocente nas escolhas que faz, em relação às pessoas, porque ele realmente faz questão de compartilhar o que tem de bom a oferecer, sem amarras ou vínculos, just for the sake of it.

O filme é inspirador, mexe com o viajante que há em todos nós. Quem nunca quis, ou pelo menos pensou, em largar tudo, mudar de vida, escolher um nome novo, ou pelo menos passar alguns dias sem preocupação maior do que qual seria o café da manhã ou o jantar (nada de frutinhas estranhas, though), com um dia inteiro para se decidir? Abandonar tantas escolhas infelizes, pessoas com quem nos decepcionamos ou temos vontade de sair de perto, mas que vamos invariavelmente decepcionar, especialmente quando não merecem?

Na Natureza Selvagem é um daqueles filmes inspiradores, bonitos, e ao mesmo tempo angustiantes ao extremo, especialmente por se tratar de uma história real, que poderia ter tido um desfecho tão menos trágico (e talvez até menos inspirador, é preciso admitir) não fosse a teimosia de Chris de querer cortar todo e qualquer tipo de raíz, de ir do 80 ao 8, com erros de julgamento feios.

Mas, ao mesmo tempo, não dá pra não admirar sua jornada, sua coragem e seu espírito de investigação moral, que acabam por trazer à tona, na marra até, um pedaço de nós, que quer dominar e nos livrar do comum, do ordinário, mas pode acabar ficando naquele ônibus frio.

"All beyond fat and flour..."

Alguns filmes são feitos para serem histórias de amor, e outros para contar uma história, com algum romance bobo no meio que acaba sendo o mote do filme, com a história servindo meramente de pano de fundo para o que o (geralmente) jovem casal vai fazer para que tudo dê certo. Casos desse último são Titanic (1997) e Pearl Harbor (2001), ambos bem fracos na história, especialmente o segundo, que é ruim de doer mesmo.

Mas tem filmes que deveriam focar na história do casal, e mostrar como a luta deles vai fazer com que tudo dê certo no final, de um jeito ou de outro, nem que seja com outras pessoas ou com o recomeçar de cada um, acordando para a vida; afinal de contas, não é só de happy endings que se faz a vida, e o cinema descobriu isso, especialmente com interessantes produções independentes.

Acho que esse Sentidos do Amor (2011) estaria mais para um filme de amor com um pano de fundo, em que o pano de fundo efetivamente acaba sendo mais interessante. Não se trata de uma catástrofe do tipo "Lá vem um meteoro", ou uma guerra nuclear, ou mesmo uma inversão climática completa. Tudo bem que a ideia não é tão original (José Saramago e seu Ensaio Sobre a Cegueira), mas um mundo sem sentidos é tudo de que precisamos para o pânico geral. E, é claro, isso vai trazer todo o tipo de complicações para o casal em questão, formado pelo "confortável" Ewan McGregor e Eva Green.

O interessante é ter colocado personagens que, por suas profissões, são diretamente afetados pela perda gradual dos sentidos, ao passo em que estão justamente nas frentes mais evidentes de combate a isso, cada um ao seu jeito: garantindo com que a vida continue do mesmo jeito, ou procurando uma cura, respectivamente. A boa e velha adaptabilidade do ser humano. Essa parte por si só já é curiosa, como parece absurda a ideia de continuar com tudo até um pouco em que se torna inviável (a cena do crítico de restaurante sem odor e paladar é particularmente interessante), até que a perda da audição torna tudo inviável e o pânico toma conta.

Mas vale a pena ver como a perda de cada sentido mexe com nossas emoções (ou instintos) mais puros, como o desespero, a fome, a raiva e, finalmente, a compaixão, ou alegria eufórica, todas sem a menor razão de ser, simplesmente... sendo. O ser humano despido de racionalidade, até que uma perda nos coloca de volta "nos eixos".

Particularmente, uma coisa chama a atenção, por mais breve que seja: a associação que é feita entre os odores e as memórias, mas que poderia ser feita com qualquer dos sentidos. A ideia de que vamos nos esquecer de pessoas e momentos, por não podermos mais sentir aquele cheiro específico, como Susan narra do cheiro de canela e o avental da avó, até que essas imagens simplesmente desapareçam. Não seria a mesma coisa com o gosto, como aquele gosto da massa do bolo que imediatamente nos remete à infância, ou o gosto daquele nhoque que sua avó fazia e ninguém consegue acertar? E sempre é tão forte a ponto de pararmos pra sentir, curtir a memória.

Nesse ponto, fica claro como dependemos da nossa visão (talvez Saramago tenha ido direto ao ponto em seu livro), de como VER tudo, ao mesmo tempo que foi uma grande evolução para nós, nos tornou dependentes dos olhos. Acho que é mais ou menos a relação que temos com a tecnologia, na verdade, até porque nossa capacidade de pura abstração não é exatamente unânime e uma competência geral. Confesso que eu mesmo morro de medo de ficar cego, tanto quanto de ficar velho. Tanta beleza por aí, e seríamos impedidos de observar? De ver quem a gente gosta sorrir? De ler?

(ok, tem braile, eu sei, mas ia demorar tanto pra pegar o jeito que só ia dar conta de ler livros infantis por um tempo)

Voltando ao filme, talvez seja por isso que a visão é a penúltima, e não fica claro que o próximo sentido a ser perdido é o tato, mas também quando isso acontecesse nem o filme nem a vida teriam muito mais razão de ser. A última cena, com a última narração, remetem a um amor puro, destituído de tudo aquilo que o complica e o atrapalha; não é a toa que duas pessoas com tantas dificuldades para darem certo em relacionamentos "precisam" perder tanta coisa para se acharem em meio ao caos que se instaura (vide a pura alegria de descobrirem juntos como espuma de barbear pode ser boa de comer). 

Mas fica também a sensação de que, às vezes, para que as coisas possam dar certo, é preciso que uma desgraça dessa magnitude aconteça. E daí, de que adianta?

"Yes, I can see now."

A genialidade de muitas pessoas pode se manifestar em momentos que, à primeira vista, não parecem os mais propícios, e isso acontece demais no cinema. Com cada vez mais efeitos especiais, orçamentos astronômicos, recursos e tecnologia avançada, tem horas que o regular man tem lá suas dificuldades em diferenciar um cara realmente bom de um cara com recursos.

Isso pode soar nostálgico, mais ou menos como nossos pais, ao dizerem que "bom mesmo era no meu tempo", ou quando a imprensa esportiva fala do tal tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. Mas quando a gente vê alguns clássicos, dá pra ver quem sempre soube mandar bem.

Depois de anos sendo fã dos Trapalhões e do ótimo Chaves, esse ano assumi a missão de resolver uma das minhas falhas de caráter mais sérias e assistir a alguns filmes do Charles Chaplin - e não poderia ter sido missão mais grata! Como pude ficar tantos anos sem saber que a fonte de onde Renato Aragão e Roberto Bolaños tanto beberam estava logo ali, em preto e branco, muda? Primeiro, Tempos Modernos (1936), filme que o Mauro deveria ter passado pra gente no colégio, e esse fim de semana tive o prazer inenarrável de ver Luzes da Cidade (1931), equilíbrio perfeito entre comédia e sentimentalismo, na companhia certeira de um primo e ótimo amigo.

Chaplin era um gênio, e praticamente sem dizer uma palavra sequer. Como conseguia aquele homem, com um humor tão inocente, uma personagem tão destituída de maldade, com caras e bocas, e um cumprimento de chapéu tão adorável, fazer tanta miséria, a ponto de ainda ser visto e louvado, por praticamente 80 anos? Acho que a resposta é clara: apesar de uma vida pessoal bastante conturbada, ele fazia valer a simplicidade, além da teimosia de um homem que sabia do valor das imagens e gestos.

Falar sobre a última cena do filme, em que um sorriso de segundos de duração consegue dizer tudo que o Vagabundo sente, é chover no molhado. É só jogar no Google e ler posts e reportagens e opiniões, mas nada consegue substituir o impacto que um olhar, uma flor e um sorriso causam - se não causam, boa pessoa não pode ser. É justamente como aqueles presentinhos bobos, do nada, que damos a amigos, ou uma carta, um bilhetinho, uma referência em redes sociais, que são mínimos, mas são verdadeiras luzes em dias às vezes não tão claros.


Não temo em dizer que é uma genialidade emocional de quem não perde o hábito de promover pequenas, mas contundentes, alegrias nos nossos dias, sem precisar se valer de grandes recursos - muitas vezes, nenhum. Tal qual a genialidade de Chaplin em seus filmes, que nunca vão perder o brilho, sem nenhum computador ou reviravolta confusa de enredo pra tanto.

"Succotash my Balzac, dipshiitake!"

Mais do que nunca, eu prefiro acreditar que tudo não passa de um infeliz, profundamente infeliz caso de homônimos, de título a nomes de personagens.


"Welcome to the graveyard of ambition."

Pegue um bom livro, interessante, que consegue não cair em todos os lugares-comuns que são armadilhas do gênero. Pegue dois bons atores, jovens. Pegue uma boa diretora, que acertou bem a mão em Educação (2009).

Então, pegue uma trilha sonora feita para chorar, ou emocionar. Adicione falta de budget para locações. Tire os pensamentos interessantes, mude algumas coisas e partes para adaptar mais ao average viewer, aquele que gosta de coisa digerível e mamão-com-açúcar.

Pronto! Estragar um bom livro como Um Dia, que poderia dar um ótimo filme, fica fácil!