"Because I get the feeling that you really deserve it."

Tem gente que não gosta do Will Smith. E tem gente que, acertadamente, acha que À Procura da Felicidade (2006) é um filme bonito, comovente por ser uma história real, mas que... bem, deu no saco, um pouco.

O curioso foi que a parceria Smith / Muccino foi repetida num filme, Sete Vidas (2008), que acabou passando até um pouco despercebido. Boa parte da crítica malhou o filme, diante de certas inconsistências de linearidade e umas partes meio absurdas no roteiro (jellyfish, sério?), ou mesmo por conta do over drama que o filme é - com certeza foi feito pensando em pessoas com caixinhas de lenço ao lado, ou pelo menos algo assim.

Mas, sinceramente, o que impressiona no filme é o Ben de Will Smith. Ele manda muito bem, apesar de certas "acusações" de que ele estaria exagerando, e em alguns pontos talvez esteja mesmo (lenços), mas não dá pra imaginar alguém em busca de tamanha redenção e disposto a tamanho sacrifício que não tenha conflitos internos. Isso é o que fica estampado na cara dele o filme todo.

Agora, é de se perguntar: até que ponto as pessoas estão dispostas a irem em nome da pura e simples generosidade? Sem remorso, sem culpa, sem pretensões maiores. Bondade por bondade, sequer pensando num possível desfecho favorável lá no other side, às portas de São Pedro ou entidade religiosa o que o valha. E sempre pensando em bondade em formas de ação, não de dó ou revolta pacíficas, em frente à TV, quando as notícias deveriam ao menos ter esse efeito.

Parece que é tão irreal que só mesmo com um peso do mundo nas costas, e é nisso que esse filme acerta, e consegue o resultado "caixinha de lenço", ao menos com boa parte da audiência. Fica difícil ficar reparando em erros e em outras coisas, mesmo furos, porque o ponto é que se cada um tivesse um "cadim" de Ben, as coisas já seriam bem melhores.

"Happiness only real when shared."

É difícil de imaginar, mas Na Natureza Selvagem (2007) é um filme que não atinge a todos. Isso porque é um filme surpreendente, uma verdadeira odisséia assombrosa, um tipo de... oração em longa metragem.

Essencialmente, o enredo é de um jovem que, em 1990, então com 20 anos, termina uma faculdade de prestígio, vende tudo que tem, doa ou queima seu dinheiro e abandona seu carro e a família, e parte para o Alaska, em busca da verdade no caminho, inspirado por Jack London, Henry David Thoreau, Holden Caulfield e Jack Kerouac. 

Pode parecer, e é mesmo, um road movie, daqueles que mostram como uma personagem vai descobrir a vida enquanto faz uma viagem, mas aqui é muito mais um filme sobre contato, sobre conexões entre pessoas. Entre um cara que deixa pra trás pais forjados por um ideal materialista e uma irmã que dependia dele... e, sinceramente, difícil não imaginar que sua decisão foi um tanto quanto egoísta. Mas dizer "estou só" (ou algo assim, de "I'm lonely") já no final mostra que nenhum ser humano consegue abrir mão de todas as suas conexões, como ele tenta provar.

Seus pais, o casal de hippies, o fazendeiro, as pessoas que moram em trailers e o comovente encontro com o senhorzinho de quase 80 anos, que pede para adotar Chris (muito prazer). Todos eles, de certa forma, têm suas vidas mudadas pelo encontro com o jovem, mas inegável que mesmo ele tem sua vida alterada, e profundamente, em virtude de um contato com uma pessoa que desesperadoramente tenta fugir da própria vida em busca de algo melhor, mais verdadeiro, ainda que com tantas falhas que lhe custam caro demais.

E é curioso como ele parece simplesmente não se importar com raízes, no sentido de pessoas. Afinal de contas, como explicar esse senhorzinho? É de partir o coração e, mais uma vez, vem aquela sensação de egoísmo. My, myself and I, e ao mesmo tempo, Chris consegue ser incrivelmente inocente nas escolhas que faz, em relação às pessoas, porque ele realmente faz questão de compartilhar o que tem de bom a oferecer, sem amarras ou vínculos, just for the sake of it.

O filme é inspirador, mexe com o viajante que há em todos nós. Quem nunca quis, ou pelo menos pensou, em largar tudo, mudar de vida, escolher um nome novo, ou pelo menos passar alguns dias sem preocupação maior do que qual seria o café da manhã ou o jantar (nada de frutinhas estranhas, though), com um dia inteiro para se decidir? Abandonar tantas escolhas infelizes, pessoas com quem nos decepcionamos ou temos vontade de sair de perto, mas que vamos invariavelmente decepcionar, especialmente quando não merecem?

Na Natureza Selvagem é um daqueles filmes inspiradores, bonitos, e ao mesmo tempo angustiantes ao extremo, especialmente por se tratar de uma história real, que poderia ter tido um desfecho tão menos trágico (e talvez até menos inspirador, é preciso admitir) não fosse a teimosia de Chris de querer cortar todo e qualquer tipo de raíz, de ir do 80 ao 8, com erros de julgamento feios.

Mas, ao mesmo tempo, não dá pra não admirar sua jornada, sua coragem e seu espírito de investigação moral, que acabam por trazer à tona, na marra até, um pedaço de nós, que quer dominar e nos livrar do comum, do ordinário, mas pode acabar ficando naquele ônibus frio.