"Chegar antes foi tudo o que pude fazer."

“Andar por terras que ninguém andou, chegar em lugares em que o branco nunca chegou, porque não há nenhum lugar que o branco não chegue, chegar antes foi tudo o que pude fazer”. Assim narra Claudio Villas-Bôas, quando resolve tirar os sapatos e abandonar a vida medíocre de um burguês paulista para vestir um par de sandálias velhas, se fantasiar de caboclo goiano e viver a mais real das histórias de aventuras, em plena selva amazônica.

Essa é a premissa de Xingu (2012), o último filme do sempre competente Cao Hamburguer, que falou com todas as letras que o nome do filme pode ter sido um erro, já que... bem, que faz muita gente pensar que é um filme de índio, e por isso mesmo seria chato, ou bobo, ou coisas do tipo. Típico preconceito brasileiro, porque quando sai algo do tipo Dança Com Lobos (1990), aí é bonito, é bom, porque é gringo.

E é um filmaço, que faz um interessantíssimo diálogo entre a ficção e a realidade vivido por atores e personagens, até porque foi baseado no livro A Marcha Para o Oeste, dos autores e personagens da história, os irmãos Orlando e Cláudio Villas-Bôas. Personagens estes que se aproximam bastante do que o Brasil tem de menos, que são heróis; gente que, na vida real, e sem a truculência de um Capitão Nascimento, conseguiu fazer algo de concreto pelo nosso país, mas de quem sabemos menos do que, por exemplo, heróis revolucionários europeus, ou mesmo assassinos seriais norte-americanos. Nossa boa e velha síndrome de vira-latas, que no máximo vê em Tiradentes um mártir, mas não um herói.

Xingu conta a história de três irmãos, dois mundos e uma missão. A narrativa dos irmãos Villas-Bôas apresenta a saga dos responsáveis pela criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961, uma área de mais de 27 mil quilômetros quadrados, inteiramente preservada e constantemente ameaçada. Um luta pela esperança de preservar uma cultura milenar e o direito de existir dentro de suas raízes. Uma façanha impensável que conseguiu burlar os interesses progressistas durante o efêmero governo Jânio Quadros. Se hoje, depois de décadas de democracia, ativistas ainda perdem a vida em nome da luta pela preservação dos índios, é possível imaginar a sagaz persistência que os irmãos tiveram de ter para conseguir de fato criar um Parque Indígena, que existe há mais de 50 anos e mudou o panorama de estudos antropológicos no Brasil.

E, ainda assim, quase ninguém conhece essa história. Como a gente mal conhece a história do Brasil, enquanto manja tanto da grama do vizinho. Cao Hamburguer disse que esse filme tem como "princípio", por assim dizer, ser um ponto de partida, até serve também pra mostrar para muita gente que cinema nacional não é só favela movie, comédia sofrível ou produções globais, mas que tem competência pra fazer um verdadeiro épico com material totalmente nacional.
1 Response
  1. Fê Verdiani Says:

    Excelente filme e uma discussão boa demais, sem uma resposta óbvia ou pronta... Faz pensar em como encaramos nosso país e todos os nossos problemas!
    E claro... um post incrível, as usual! =o)